Na ‘era de jogos online’, cassinos seguem proibidos há quase 80 anos

2024-04-05
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No fim deste mês, o Decreto-Lei nº 9.215 de 30 de abril de 1946 (Proíbe a prática ou exploração de jogos de azar em todo o território nacional) completa 78 anos.


O então presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra, em nome da “tradição moral jurídica e religiosa”, e contra “abusos nocivos à moral e aos bons costumes”, restaurou a vigência do artigo 50 e parágrafos da Lei das Contravenções Penais e declarou nula e sem efeito todas as licenças, concessões ou autorizações concedidas até então.


Os viventes da década de 1930 e 1940 conheceram a denominada época de ouro dos cassinos no Brasil. Os registros apontam fervilhantes animações, onde homens e mulheres da sociedade apostavam em jogos de roleta e cartas de baralho.


Na prática, o ato presidencial de 1946 encerrou as atividades de cassinos que na época eram locais. Além de apostas, os frequentadores podiam fazer refeições, com restaurantes, salão de bailes, musicais, teatro, apresentações de artistas.


Há registros que milhares de postos de trabalho foram fechados (cozinheiros, garçons, músicos, maquiadores, cabeleireiros, serviços gerais, crupiês…). O Brasil contava com cerca de 40 milhões de habitantes e o legado do ato encerrou cerca de 55 mil postos de trabalho. Para alguns pouco, para outros muito.


O funcionamento de cassinos e bingos, bem como legalização do jogo do bicho, assim como apostas em corridas de cavalos, é objeto de iniciativas legislativa tanto no Senado como na Câmara de Deputados.

Legislação reconhece

A prática do jogo é reconhecida pela legislação brasileira. O Código Penal brasileiro, por exemplo, menciona “intimidação virtual realizada por meio de jogos on-line” (parágrafo único do artigo 146-A); “casa de jogo” (II, do §5º, do artigo 150); “prática de jogo ou aposta” (artigo 174); “casa de jogo ou mal-afamada” (artigo 247).


Recentemente, houve a edição da Lei Nº 14.790 de 29 de dezembro de 2023. (Dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa (enorme fonte de renda da Fazenda Pública). Na mencionada norma há referência e reconhecimento dos “jogos de azar”:

“Art. 23. O agente operador de apostas deverá adotar procedimentos de identificação que permitam verificar a validade da identidade dos apostadores, exigida a utilização da tecnologia de identificação e reconhecimento facial.

(…)

§3º O Ministério da Fazenda deverá regulamentar a obrigatoriedade de que os operadores desenvolvam sistemas e processos eficazes para monitorar a atividade do apostador a fim de identificar danos ou danos potenciais associados ao jogo, desde o momento em que uma conta é aberta, observados os seguintes critérios:

(…)

VI – uso de ferramentas de gerenciamento de jogos de azar”.

Ou seja, os jogos que faziam parte das atividades dos cassinos (até 1946) permanecem enquadrados como “contravenção penal” e convivem no meio social.


Para a Fazenda Pública, os jogos constituem uma atividade econômica relevante, diante das cifras auferidas para os cofres públicos.


O entendimento dicotômico é exemplificado diante da moldura legal como contravenção penal e o enquadramento presente no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mantém o código Cnae 9200-3/99 para a atividade econômica de exploração de jogos de azar e apostas.


O conflito de tudo é um artigo da Lei Monocrática das Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688/1941 — editado durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas (Estado Novo). No período o trabalho legislativo do Congresso ficou suspenso por nove anos.


No mencionado decreto se encontra inserido no capítulo VII, “Das contravenções relativas à polícia de costumes”, o artigo 50:

“Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele.”


A atividade “jogos de azar” reconhecido como atividade econômica para fins de arrecadação e para exploração seletiva, por envolver atividade capitulada como contravenção penal, se encontra em julgamento no Supremo Tribunal Federal (Tema 924).


O STF vai julgar se a “exploração de jogos de azar” é compatível com o texto constitucional.

Enquanto isso, vamos vivenciando um “faz-de-conta”, convivendo com os jogos online e enquadrando os cassinos como contravenção penal.

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